terça-feira, janeiro 31, 2006

Chama

Há dois meses que estávamos juntos. Éramos felizes, não o posso negar. Ao fim de algum tempo, no entanto, começam necessariamente a surgir inseguranças e incertezas. Voltei-me para ti e disse “Acho que já não estás apaixonada por mim”. Tu respondeste que claro que sim, que era impressão minha. Respondi que não acreditava em ti.
Era Domingo de manhã e voltámos para a cama, onde fizemos amor freneticamente. Uma hora depois, levantei-me do colchão empapado em suor e com os lençóis arrancados e olhei para ti ainda deitada. Disse “Continuo a não acreditar em ti” e respondeste “Não me obrigues a provar-te, Ricardo”. “Não mo conseguirás provar” foi o que te respondi. Olhaste e sorriste-me tristemente. Uma chama azul surgiu da tua boca e começou a alargar-se. Os teus olhos explodiram num “pop” e das suas cavidades começaram a brotar chamas. Num ápice a tua pele ficou negra e começou a desfazer-se com as brasas que emanavam do interior. Vi os teus músculos destecer-se em todos os tons de laranja, amarelo, vermelho e azul luminoso. O teu corpo estava convertido em chama branca, enquanto via os teus ossos a desfazer-se. Tudo à tua volta começou a derreter com o calor intenso que emanavas e abria-se um buraco no colchão, onde te ias afundando, cada vez mais cinzas. Com um sorriso estampado no rosto, eu estava maravilhado. “Ena, nunca ninguém fez isto por mim” pensei eu, uma fracção de segundo antes de saltar para ti e imolar-me nas chamas da nossa paixão.

Lady in the Radiator – In Heaven (do filme “Eraserhead” de David Lynch)