terça-feira, janeiro 31, 2006

Sangue

Vi-te na pista de dança e fixei-te. Algo de especial emanava de ti. Uma propriedade selvagem e hipnótica. Fitaste-me de volta. Senti-me bem. No movimento perpétuo de corpos, fomo-nos aproximando, apesar da multidão de homens que te envolvia. Subitamente, senti sede e, conhecendo-me, pensei que aquilo poderia acabar mal e dirigi-me ao bar. Pedi uma bebida e saltei de espanto quando te vi junto a mim. Tinhas um sorriso convidativo e um olhar provocante. Já não te podia evitar, fizemos um pouco de conversa. Convidaste-me para um canto sossegado, onde nos sentámos. Não eras, evidentemente, uma rapariga vulgar. Apreciei-te de alto a baixo, e sorriste de forma angelical. O conceito "angelical" deu-me ainda mais sede e emborquei cerca de meio copo atabalhoadamente. Se a sede ficou apaziguada, não demorou muito até começar a sentir náuseas. Sabia que o que estava a beber não era o que necessitava e a diluição do álcool no meu sangue estava a atordoar-me e a deixar-me fraco. Não conseguia deixar-te, estavas a ser inteligente e espirituosa. De facto, estava a gostar demasiado de ti para te tratar como qualquer outra e a confusão que se avolumava na minha cabeça inibia-me de tomar alguma iniciativa para me livrar de ti. Aproximavas-te imperceptivelmente de mim e eu afundava-me no sofá envelhecido e mole. Puseste um braço à minha volta e foquei a tua orelha, a tua face alva, o teu queixo pequeno, os teus lábios sugestivos, que agora articulavam coisas que já não conseguia ouvir. Finalmente, elevaste-te subitamente e fiquei com o teu pescoço à altura dos meus olhos. Comecei a tremer convulsivamente e cerrei os olhos com força. Aproximei-me do teu ouvido e sussurei, porque já não tinha forças para mais:
"Sai daqui, sou um vampiro"
Não deves ter ouvido, soltaste uma risada e abraçaste-te a mim, pondo uma perna tua por cima das minhas. Em desespero, tentei com mais força.
"A sério, sou um vampiro, salva-te"
Olhaste-me fixamente nos olhos, com um ar subitamente sério e explodiste numa gargalhada histérica. Miúda estúpida e descrente, estás a traçar o teu destino. Quando a tua monumental gargalhada acabou, abraçaste-me com força e abocanhaste-me o pescoço, desfazendo-me a jugular. Comecei a espirrar sangue a toda a volta e tu fechaste a tua boca à volta da ferida, sorvendo-o avidamente.

Decididamente, já não haverá raparigas virgens e inocentes?

Bauhaus - Bela Lugosi's Dead

1 Comments:

Blogger Ricardo said...

É bom ter-te por cá, mana!
O conceito é esse, ou a música faz faiscar a urgência de escrever, ou escolho-a como complemento "ambiental" do texto. De qualquer forma, o conceito de "vida com banda sonora" é tão interessante que tento praticar quando tal não implica alienação (bendito iPod)...

2:25 da tarde  

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